quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Anos 70: Os cinemas de arte e o fim dos cinemas de bairros

No final dos anos 60, já era possível observar uma mudança de hábito do público residente nos bairros, que não mais esperavam a exibição de um filme nas decadentes salas de sua vizinhança e convergiam para os cinemas do Gonzaga e do Boqueirão. Seja para os santistas ou para os turistas que lotam os hotéis e apartamentos de temporada, a Cinelândia e os cinemas do Boqueirão apresentavam-se como uma das poucas opções de lazer além da praia e do banho de mar. Contudo, todos esses ventos favoráveis não davam aos empresários cinematográficos santistas a garantia de grandes bilheterias. A escassez de títulos em lançamento obrigava-os muitas vezes a prolongarem a permanência de um filme em cartaz, quando não reprogramavam um ou outro título saído recentemente do circuito, reduzindo inevitavelmente o número de espectadores.

Se não bastassem os problemas do próprio mercado, o chamado “milagre econômico” foi fator definitivo para a popularização dos aparelhos de televisão em todo o País. O cinema passa a concorrer com a novela, com os programas de auditórios ou mesmo com os próprios filmes exibidos na telinha. Como veremos, muitas foram as tentativas para driblar a crise. O Grupo Nacional de Diversões Ltda, por exemplo, inaugura no Rio de Janeiro uma sala onde o cardápio da programação cinematográfica tem como prato principal os filmes consagrados pela crítica e de reconhecido valor artístico.

O êxito e a repercussão dessa iniciativa logo chegariam a Santos. Com isso, as empresas Cine-Theatral e Cinemas de Santos entram em contato com o Grupo Nacional de Diversões Ltda para a implantação de uma sala com o mesmo conceito em nossa cidade. O Cine Glória, então administrado por essas duas empresas, seria reformado e reaberto com o nome de Cinema 1, reproduzindo o perfil cinematográfico da sala carioca. A inauguração do primeiro cinema de arte santista aconteceria em fevereiro de 1973, com a exibição do filme italiano “A classe operária vai ao paraíso”, do diretor Elio Petri.

Não poderia passar despercebida a atuação dos cineclubes e cinematecas em todo o Brasil. Além de contribuírem para o surgimento de jovens cineastas, foram responsáveis também pela formação de várias gerações de cinéfilos, que ao longo do tempo possibilitariam a implantação de cinemas com esse perfil de programação. Em Santos, o Cinema 1 surge voltado para esse público, forjado nos anos 50 e 60 nas muitas sessões e palestras promovidas pelo Clube de Cinema.

Outra medida adotada pelos exibidores foi a de subdividirem suas salas. Já não se fazia mais necessário um mesmo exibidor ter diversos cinemas com grande capacidade de público, já que poucos eram os títulos que proporcionavam sua lotação. Com a subdivisão das salas poderiam projetar mais filmes, alcançando uma diversidade maior de segmentos de público. No caso de São Paulo, o Cine Trianon é reformado dando origem as 6 salas do HSBC Belas Artes. Outras grandes salas como o Marrocos, Normandie, Art Palácio e Ipiranga, adaptam suas instalações e transformam seus gigantes espaços em duas salas.

Seguindo a mesma estratégia, os empresários santistas adaptam suas salas a nova realidade do mercado. O Cine Gonzaga é fechado para reformas em 1975, reabrindo em 12 de agosto do ano seguinte como Stúdio Atlântico 1 e Stúdio Atlântico 2, ambos em parceria com a Empresa Cinematográfica Hawai Ltda. No novo projeto arquitetônico, a platéia do antigo Cine Gonzaga foi transformada no Stúdio Atlântico 1, enquanto o seu balcão foi transformado no Stúdio Atlântico 2. A inauguração das novas salas contou com a presença de Oswaldo Massaini, renomado produtor do cinema brasileiro. Após o coquetel, realizou-se a projeção do filme “O Velho Fuzil”, do diretor francês Robert Enrico, que permaneceria em cartaz no Stúdio Atlântico 2, sala que disponibilizaria 430 novas poltronas na cidade. Um pouco maior o Stúdio Atlântico 1, tinha capacidade para receber 513 pessoas, projetando em sua estréia o filme “Shampoo”, do diretor americano Hal Ashby.

Em outubro de 1979, seria a vez do Cine Indaiá e do Cine Iporanga reduzirem seus espaços. Do antigo pullman do Indaiá surge o Indaiá-Arte com capacidade para 272 espectadores. Para a sua abertura é programado o filme “O Ovo da Serpente” de Ingmar Bergman. Após a reforma o Cine Indaiá passa a contar com um total de 902 poltronas sendo reinaugurado com o filme “Pretty Baby” de Louis Malle.

Reaproveitando também o seu antigo pullman, a empresa Cine Theatral inaugura o Iporanga 2. A nova sala do Gonzaga abre suas portas com a projeção do filme “Um casal perfeito” de Robert Altman, lotando suas 550 poltronas. Tendo como proposta de programação a exibição de filmes românticos e comédias, é a terceira sala do complexo Iporanga, que já possuía em funcionamento as salas 1 e 3.

Trata-se, contudo, de mais uma tentativa do exibidor santista se adaptar a nova realidade de mercado. Além de subdividirem suas grandes salas, os empresários santistas fecharam as quatro últimas salas de bairro existentes, bem como construíram poucos e menores cinemas quando comparados aos de décadas anteriores. Tentando ainda equilibrar suas contas, a empresa Cine Theatral reforma o Iporanga 1 possibilitando que o espaço além de manter suas funções cinematográficas possa receber também shows musicais e pequenos espetáculos teatrais.

Em janeiro de 1975, o Iporanga Music Hall é solenemente inaugurado com um show da cantora Maria Bethânia acompanhada do grupo Terra Trio. No decorrer desse ano, o local receberia diversas outras apresentações como o da dupla Toquinho e Vinícius, e dos humoristas Chico Anísio e Juca Chaves. No entanto, os altos custos dos cachês logo inviabilizariam a proposta e o Iporanga volta a ser exclusivamente cinema.

Em outubro do mesmo ano, a Cinemas de Santos Ltda fecha contrato desta vez com exclusividade para distribuir todos os filmes da Empresa Cinematográfica Hawai Ltda na cidade. Marcaria o início da parceria a exibição dos seguintes títulos: “O Poderoso Chefão 2”; “Inferno Na Torre”; “O Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo – Mas Tinha Medo De Perguntar”; “O Jovem Frankstein”; “O Casal”; “O Roubo Das Calcinhas”; “O Seqüestro Do Metrô”; “ Funny Lady”; “Os Homens Violentos De Klan”; e “Esposa Comprada”.

Novos Cinemas

Se as salas do Centro e dos bairros permaneciam deficitárias, os cinemas do Gonzaga voltavam a receber um grande público. De 1974 a 1976 foram lançados os filmes “O Exorcista”, “Inferno na Torre”, “Tubarão” e “Dona Flor e seus dois maridos”, todos com grandes bilheterias, gerando o capital necessário para que as empresas santistas realizassem mais quatro novos empreendimentos.

Somente em 1976, surgem os cines Júlio Dantas, Iporanga 3, Alhambra. O primeiro ocupou o espaço do antigo Cine Theatro Centro Português, no Centro da cidade. Em 15 de abril, abriria suas portas com a projeção de um filme religioso “Nascimento, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo” e um de lutas marciais “Kato – O Dragão Invencível”, estrelado por Bruce Lee, artista falecido meses antes. Passado algum tempo, a sala mudaria seu perfil de programação exibindo basicamente filmes pornôs.

Logo depois, em maio, o Gonzaga teria mais uma sala de cinema. O Iporanga 3 debuta para o público santista com o filme “Esse crime chamado justiça”, trazendo Vittorio Gassman e Ugo Tognazi no elenco, e Dino Risi na direção. Com suas 180 poltronas, o Iporanga 3 foi instalado no andar superior do Cine Iporanga, onde antes funcionava a sede do Elos Clube. Nesse mesmo andar, tínhamos ainda em atividades um Pub e uma Discoteca.

Em setembro, seria inaugurada uma das mais charmosas salas de cinema de Santos, o Cine Alhambra. Instalado na Rua José Caballero, onde antes era o auditório da Rádio Clube de Santos, a sala contava com 450 lugares, iniciando suas atividades no dia 2 de setembro com a projeção do filme “Xica da Silva”, de Cacá Diegues. Para a solenidade de abertura, a Cine Theatral convidou o próprio diretor do filme, bem como os atores principais do elenco, onde figuravam nomes como Zezé Mota, José Wilker, Walmor Chagas, Elke Maravilha e Altair Lima.

Na geografia cinematográfica santista, o Centro da cidade acabou concentrando a maioria das salas exibidoras de filmes pornôs. Integram o circuito exibidor dessa região os cines Coliseu, Guarany, Júlio Dantas, e o Cine Teatro Fugitive, instalado em boate do mesmo nome, a partir de 1978. Fora da região central da cidade, e sob muitos protestos da vizinhança, dedicam-se a projeção de filmes pornográficos os cines Praia Palace e Itajubá.

Por outro lado, no Gonzaga e Boqueirão, os cines Stúdio Atlântico 1 e 2, Iporanga 1,2 e 3, Indaiá e Indaiá-Arte, Roxy e Alhambra, Caiçara e Cinema 1, seja em função de suas dimensões físicas ou dos segmentos de público que objetivam alcançar, apresentam em suas programações filmes dos demais gêneros cinematográficos. São salas modernas, confortáveis, com boa qualidade projeção, sonorização e manutenção do espaço.

O Fim dos cinemas de bairro

A baixa freqüência de público, os elevados gastos com funcionários e impostos, a baixa lucratividade do negócio, e a especulação imobiliária, seriam fundamentais para o fechamento de diversos cinemas no decorrer da década. As situadas em bairros são as que mais sentem o impacto. O primeiro a encerrar suas atividades é o Cine São José, em agosto de 1975, com o filme italiano “Popéia – A Serviço do Império”. Lembrado principalmente por ser lançador de filmes japoneses nos anos 60, a cidade perde seu maior cinema em atividade.

No ano seguinte, seria a vez do cine Carlos Gomes deixar em definitivo o circuito exibidor. Domingo, 6 de julho, o filme “O Massacre” com Richard Burton e Irene Papas, faria as últimas sessões do único cinema remanescente do bairro de Vila Mathias. Desta vez, sem choro, nem vela dos moradores do bairro, o cine Carlos Gomes deixa de existir cedendo seu espaço para um estabelecimento comercial.

Para a tristeza dos moradores do bairro do Campo Grande e adjacências, o próximo cinema a fechar suas portas seria o cine Ouro Verde, em 11 de setembro de 1977. Trata-se de mais um cinema construído para atender grandes demandas de público, inviável economicamente para os padrões e necessidades da época. Assistido por 538 pessoas em suas 4 derradeiras projeções “Jecão – Um fofoqueiro no céu”, de Amácio Mazzaropi, marca a despedida da sala.

Resistiria apenas o Cine Brasília, que dois anos depois seria vendido e transformado em supermercado. Para a cidade, uma tristeza; para os empresários, um alívio. “O céu pode esperar” de Warren Beatty, exibido nos primeiros dias de julho é o último filme a ser projetado nas telas de um cinema de bairro em Santos. Era o fim de um período.

Contexto Geral

Muitos foram as dificuldades enfrentadas pelos exibidores durante toda a década. A reserva de mercado para o filme nacional seria instituída nesse período, acumulando grandes prejuízos aos empresários. Se “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia”, e as comédias dos Trapalhões faziam filas nas bilheterias o mesmo não se podia dizer de dezenas de outros títulos, realizados com orçamentos reduzidos e de qualidades duvidosas.

Outra queixa constante dos exibidores era referente às relações estabelecidas com as distribuidoras. Embora a lei determinasse um prazo de 60 dias para o pagamento de um filme, as distribuidoras exigiam o montante após 30 dias da saída do filme de cartaz. Não sendo efetuado o pagamento, mobilizavam a Associação Brasileira de Cinema (ABC), que intervinha junto a todas as outras distribuidoras para que nenhum filme fosse liberado ao exibidor inadimplente.

A censura exercida por militares profissionalizados mediante cursos específicos atuava nas redações de jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão, universidades, e na produção artística e intelectual do País. No cinema, filmes como o edipiano “La Luna” de Bernardo Bertolucci ou o anarquista Sacco e Vanzetti”, de Giuliano Montaldo, seriam liberados para exibição alguns anos depois de seus lançamentos. Aos exibidores e distribuidores, resta lamentar a falta de critério e a arbitrariedade dos censores.

Fim dos anos 70 a cidade continua enquadrada como área de segurança nacional tendo seus administradores nomeados por militares. Ao todo um militar e três civis comandaram a Prefeitura até a reconquista da autonomia política na década seguinte. No cenário nacional, ativistas de esquerda já haviam sido contidos, o mesmo não podendo se falar dos grupos paramilitares e dos aparelhos repressivos do Estado. A Lei da Anistia dava os primeiros passos para o retorno de exilados políticos. Em breve, mais um capítulo de nossa história política estaria terminado.
1 - Comando de Caça aos Comunistas (C.C.C.) e Aliança Anticomunista Brasileira
2 - DOI-CODI e Forças Armadas

Paulo Renato Alves

Capítulo do Livro História dos Cinemas em Santos
Publicado originalmente em 21 de novembro de 2008

Um comentário:

  1. BOA NOITE,

    ME CHAMO PEDROLANDI, SOU MAQUETISTA EM SANTOS E ESTOU DESENVOLVENDO UM PROJETO DE RÉPLICAS DOS ANTIGOS CINEMAS DE SANTOS. GOSTARIA DE PEDIR SUA AJUDA EM RELAÇÃO A LOCALIZAÇÃO DE ALGUNS CINEMAS QUE NÃO EXISTEM MAIS E NÃO CONSIGO SABER SEUS ENDEREÇOS NA ÉPOCA.

    COMO POR EXEMPLO:
    O CINE POPULAR (CACIQUE) NA AV. RODRIGUES ALVES.
    O CINE SÃO BENTO e o CINE GLÓRIA

    POSSO CONTAR COM SUA AJUDA?

    ATT,

    PEDROLANDI FERNANDES SESTARI

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