quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Santos descobre o cinema

A cidade de Santos passava por um período de intensas transformações urbanas no final do século XIX. Para escoar a produção cafeeira paulista, inicialmente são realizados investimentos para o transporte do produto, com a construção da estrada de ferro São Paulo Railway, em 1867. Mais tarde, a cidade receberia novo impulso de desenvolvimento com a criação da Companhia Docas de Santos, empresa que teria a incumbência de adequar e modernizar o porto às crescentes demandas de exportação.

Em poucos anos, a cidade adquire importância estratégica para o desenvolvimento econômico do País. Empresas do setor cafeeiro e de exportação instalam seus escritórios na cidade. Obras de saneamento, portuárias, e urbanísticas, atraem também um grande número de trabalhadores. Ainda que com uma grande taxa de mortalidade devido às freqüentes e variadas epidemias, a população cresce.

As opções de lazer e diversão para santistas e turistas são muitas. No Centro, o Teatro Guarany, os clubes sociais, como o XV e o extinto Éden Santista, além de um passeio pelo Monte Serrat, local adequado para se apreciar a bela vista aérea da região e da Serra de Paranapiacaba, são as principais atrações. Diferente de nossos dias, a zona continental da Cidade também recebia um grande fluxo de pessoas, que as margens do rio Diana faziam passeios e piqueniques.

O turismo e o lazer na orla da praia têm também origem nesse período. Surgem os clubes de regatas na Ponta da Praia, as primeiras cabines para troca de vestuário e banho, para os adeptos a mergulho no mar, sempre próximos aos hotéis Parque Balneário, no Gonzaga, e Internacional, no bairro do José Menino. Temos ainda o bar do Gonzaga, primeiro estabelecimento comercial da beira-mar e que daria nome ao bairro que ali se desenvolveria.

Dentro desse cenário urbano, a Companhia Viação Paulista instala no bairro do Boqueirão o Miramar, um moderno bar com iluminação elétrica e ampla área verde, onde regularmente se promoviam bailes e exposições sobre as grandes novidades e descobertas do final do século. É neste local, que em 7 de fevereiro de 1897, o evento promovido pelos senhores Fernandes e Queiroz daria início a trajetória da exibição cinematográfica em Santos.

Tal como em São Paulo, o evento recebeu aqui o nome de Photographia Animada, permanecendo em temporada até o dia 25 do mesmo mês, segundo os anúncios publicados no jornal “Diário de Santos”. Em sua edição de sábado, 6 de fevereiro, esse mesmo jornal dá destaque ao evento em suas páginas. Vejamos: “No domingo toda a gente deve ir ao Miramar, onde teremos uma novidade capaz de assombrar a quem lá for. Pois agora, o senhor Fernandes vae opor à celebridade norte-americana uma conquista notabilíssima da progressista Alemanha”.

Se por um lado, não existem informações sobre o programa cinematográfico exibido e o proprietário do equipamento, o anúncio deixa escapar a procedência alemã do equipamento. Sabemos também, que os senhores Fernandes e Queiroz são dois promotores de eventos da Cidade, não tendo informações sobre o pioneirismo cinematográfico deles em outras cidades brasileiras.

Não poderíamos deixar de observar que, além do evento santista ter o mesmo nome do realizado em São Paulo, o pioneiro do cinema paulistano, Georges Renouleau, anunciava nos jornais do período a instalação de um ateliê fotográfico em Santos. Diga-se de passagem, desde 1892, registramos a presença de Renouleau na Cidade, portanto, não era desconhecido dos santistas. Outra curiosidade é o fato de Renouleau, no ano anterior, ter realizado as primeiras projeções em Porto Alegre, grande reduto de imigrantes alemães.

Se é incerta a participação de Renouleau nas primeiras projeções cinematográficas santistas, sabemos que a Photographia Animada, pouco depois da temporada no Miramar, iniciaria suas atividades no Centro. O jornal A Tribuna, de 28 de fevereiro, publicaria a seguinte matéria: “Os senhores Fernandes e Queiroz, que nestes últimos tempos tem exibido no Miramar a photographia animada, com boa concorrência, por tornar-se verdadeira maravilha, resolveram, para comodidade do público, tranferir-se para os baixos da Brasserie La Bouser, de Ch & Cult, na rua XV de Novembro, onde esteve a repartição do Correio. Tencionam funcionar por 8 a 10 dias nesse local. As pessoas que ainda não tiveram a ocasião de apreciar a photographia animada não devem perder essa rara e bela oportunidade”.

Encerradas essa temporada, o cinema só voltaria a ser notícia, meses depois, no final de junho. A iniciativa caberia novamente aos senhores Fernandes e Queiroz que em parceria com o Prof. Kij, mostrariam ao público santista a apresentação da photographia animada intercalada com a audição do microphonographo. As projeções prosseguiriam até o mês de julho, sendo as últimas realizadas no ano de 1897.

Representante dos equipamentos de Edison no Brasil, o prof. Kij havia meses antes, realizado em São Paulo, uma das primeiras tentativas de projeções sonoras, exibindo simultaneamente o Vitascope (projetor) com o microphonographo. Segundo o anúncio publicado nos jornais, isso parece não ter ocorrido em Santos.

Como no restante do País, muitas são as dúvidas e lacunas sobre a história inicial do cinema em Santos. Infelizmente, devido à má conservação e a não restauração do acervo das hemerotecas locais, perdemos parte significativa das fontes de pesquisa desse período, restando apenas os trabalhos de outros pesquisadores como referência. Até o ano de 1915, teremos como única fonte os trabalhos realizados por Olao Rodrigues, Pedro Bandeira Júnior e José da Costa Ramos. É a partir deles que contaremos os próximos dois capítulos desse livro.

Postado em 12 de janeiro, de 2009.

Paulo Renato Alves

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