quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A Cinelândia Santista e os novos cinemas de bairro

Com o início dos anos 50, o bairro do Gonzaga passa a ocupar um lugar privilegiado no mercado de exibição local, abrigando em sua geografia as salas mais confortáveis e luxuosas, as melhores bilheterias e os principais filmes em lançamento. A Empresa Cinemas de Santos Ltda detém as três salas em funcionamento no bairro, com as salas do Cine Roxy, do Cine Atlântico e do Cine Gonzaga. A empresa possuía ainda mais 8 salas espalhadas em bairros da cidade e o Cine Anchieta em São Vicente. A concorrente Cine-Theatral contava com o Coliseu e o Guarany, no Centro; o Cine D. Pedro II e o Popular, localizados no bairro do Macuco; e o Cine Campo Grande, situado em bairro do mesmo nome.

O cinema, o futebol e o banho de mar são as principais opções de lazer e diversão para os moradores da cidade e turistas. A cidade recebia um número crescente de turistas, sobretudo depois da construção da Via Anchieta no final dos anos 40. A cidade passa por um boom imobiliário, modificando a paisagem urbana com a derrubada de antigos casarões da orla da praia para a construção de prédios. Nesse primeiro grande momento de verticalização da cidade surgem os apartamentos modelo kitinete, de grande procura por moradores da capital e interior do Estado.

A desativação dos cassinos feita no governo Dutra, o número reduzido de espetáculos teatrais e musicais, são fatores que contribuem para a grande quantidade de público nas salas e a rentabilidade das salas, possibilitando novos investimentos no ramo exibidor. Dentro dessa lógica em 1951, o antigo Cine Miramar é demolido para dar lugar a um novo e moderno cinema. Em 15 de maio de 52, o Cine Caiçara começaria suas atividades. Anunciado pomposamente como uma das melhores salas do País, contava com um total de 1800 poltronas na cor verde e fina tapeçaria. A cabine de projeção era a única da cidade a dispor de três projetores, todos da marca Simplex X-L. A entrada era composta de um amplo hall e as salas de espera decoradas com painéis e pastilhas brilhantes, jardim com flores tropicais, dispondo também de cabines telefônicas e bebedouros com água gelada.

O Cine Caiçara era mais uma parceria da Cinemas de Santos Ltda com o construtor e banqueiro Domingos Fernandes Alonso, proprietário do Banco Novo Mundo e também responsável pelas obras dos cines Atlântico e Gonzaga. No programa de estréia o lançamento do filme “Sinfonia em Paris”, musical ganhador de 9 estatuetas da Academia de Hollywood, produzido pela Metro, com direção de Vincente Minneli e estrelado por Gene Kelly e Oscar Levant. Trata-se da primeira produção musical a conquistar tantos prêmios, inclusive o de melhor filme. Com lotação esgotada a sessão inaugural tem sua arrecadação feita para a instituição “Gota de Leite”.

Mostrando espírito empreendedor a empresa Cinemas de Santos já havia instalado no ano anterior, novos equipamentos de projeção no Cine Paramount e inaugurado o Cine Macuco. A pioneira sessão realizada em 13 de outubro exibiria programação dupla com os filmes “Dois Fantasmas Vivos” da dupla cômica O Gordo e o Magro e “Os Desafios de Lassie” com direção de Richard Thorpe. Curiosamente, o bairro do Macuco é o que concentra na cidade o maior número de salas, contando além do recém inaugurado Cine Macuco, os cinemas D. Pedro II, São José, Santo Antonio e Popular.

Se o mercado de exibição cinematográfica em Santos mostrava-se em ascensão, o nacional já dava indícios de decadência. Contrariamente a década de 40, o crescimento de público nos cinemas tinha índices inferiores ao do crescimento da população. Esse importante dado fornecido pelo SEADE (ex-Departamento de Estatísticas do Estado de São Paulo) seria o primeiro sinal de uma crise que se instalaria no setor de exibição nos anos 60 e que acarretaria no fechamento de muitas salas em todo o território nacional.

E a cidade teria mais um cinema de bairro em setembro de 1952 com a abertura do Cine Marapé. Tratava-se do primeiro cinema desse bairro, situado na Avenida Pinheiro Machado, 677. A empresa Cinemas de Santos Ltda programaria para a inauguração dessa sala os filmes “Os Filhos dos Mosqueteiros”, produção da RKO sobre o clássico livro de Alexandre Dumas, com Cornel Wilde e Maureen O’hara no elenco e direção de Lewis Allen e “Você já foi a Bahia?, primeiro filme a mesclar atores com personagens animados. Assim ao lado de Pato Donald, Zé Carioca e Panchito, temos a atriz cantora Aurora Miranda, Dora Luz e Carmen Molina. O repertório musical incluía ainda músicas de Ari Barroso e Dorival Caymmi.

A cidade passava por um momento de transição política. A autonomia perdida em 1937, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas é devolvida em 1953, curiosamente pelo próprio Getúlio Vargas, agora eleito democraticamente no início dos anos 50. Retomada a autonomia, Santos elege como prefeito o Dr. Antonio Feliciano. Enquanto reconquistava seus direitos democráticos, mais 3 espaços de exibição surgem na cidade. O circuito santista é ainda ampliado com a transformação do antigo teatro do Centro Português em cinema. Em 19 de março, o Cine Centro Português começa suas atividades com a projeção do filme italiano “Coração Ingrato”, dirigido por Guido Brignone e com Carla Del Poggio no papel principal.

Tentando contrapor os investimentos da empresa Cinemas de Santos e na tentativa de revitalizar o Cine Popular, a empresa Cine Theatral investe em novas instalações desse cinema, reabrindo-o posteriormente com o nome de Cine Cacique. A estréia dessa sala aconteceria com os filmes “O Conde de Monte Cristo”, filme também em cartaz no Cine Coliseu e com direção de Rowland V. Lee, e “O Homem do Planeta X”, do diretor Edgard Ulmer.

No entanto, o maior investimento da empresa dirigida pela família Freixo seria a inauguração do Cine Iporanga, a primeira da empresa Cine Theatral no bairro do Gonzaga, região predileta do público cinematográfico santista. O Cine Iporanga faz a sua primeira projeção cinematográfica com o filme “Retrato de Jennifer”, produzido por David Selznick, dirigido por William Dieterle e estrelado pela atriz Jennifer Jones.

A nova sala do Gonzaga passa a ser o principal lançador de filmes da empresa Cine-Theatral. O cinema apresentava uma decoração composta por painéis artísticos que ao apagar das luzes se transformam em símbolos do zodíaco, salão de espera com luxuoso bar e televisão e plantas tropicais colocadas sobre adornos de mosaicos coloridos.

Bem diferente ao crescimento do mercado de exibição, a produção cinematográfica brasileira começa a passar por um período de intensa crise. Passada a euforia das primeiras produções realizadas pela Vera Cruz, surgida em fins dos anos 40 com o intuito de industrializar o cinema no País, esta produtora cinematográfica passa por intervenção do Banespa, seu maior credor. Dos 18 filmes de longa-metragem rodados pela Empresa, somente o “Cangaceiro” e “Sinhá Moça” conseguem obter resultados satisfatórios em bilheteria. Ainda assim, o filme “Cangaceiro”, primeiro longa-metragem do diretor Lima Barreto, nada rendeu para a Vera Cruz, já que o capital investido para o filme foi realizado pela Colúmbia Pictures tendo como contrapartida os direitos de exploração do filme no mercado externo.

O fracasso econômico da Vera Cruz contrasta com o sucesso de alguns de seus filmes. O diretor Lima Barreto, por exemplo, ganhou com “Santuário” o prêmio de melhor curta-metragem do Festival de Veneza, assim como “O Cangaceiro” conquistou o Prêmio Internacional de Filmes de Aventura e Menção Especial para Música. A produtora foi premiada ainda no Festival de Punta Del Leste com o filme “Caiçara” de Adolfo Celi e conquistou o Leão de Bronze no Festival de Veneza com o filme “Sinhá Moça”, dirigida por Tom Payne.

Enquanto a tentativa de industrialização cinematográfica no País sofre um grande revés, as salas de exibição passam por um intenso período de inovações tecnológicas. A sonorização das salas ganha melhoria com a chegada do som estereofônico e a imagem passa a ser projetada no sistema cinemascope tornando as telas mais largas, modificando e ampliando a distribuição da imagem na tela.

Esse novo sistema inventado pela 20º Th Century Fox é lançado com estrondosa divulgação em setembro de 1953 no Chinese Theatre de Hollywood. O exibidor cinematográfico americano já se ressentia por esse período dos efeitos da popularização da televisão acarretando em uma substancial perda de público. Pouco antes, já havia sido criado o Cinerama, sistema que também produziria a impressão de profundidade mediante o uso de três projetores funcionando concomitantemente. Porém, a relação custo/benefício desse sistema inviabilizaria sua apropriação pelos exibidores.No Brasil, a estréia do cinemascope ocorre no ano seguinte, nas salas do Cine Palácio no Rio de Janeiro e do Cine República em São Paulo. Já em Santos, a primeira sala a contar com esse novo sistema de projeção foi o Cine Caiçara. O primeiro filme produzido e exibido em cinemascope foi “O Manto Sagrado” do diretor Henry Koster. Posteriormente foram realizados “Como agarrar um milionário” e “Rochedos da morte”. O sucesso alcançado pela Fox com esses filmes levou outras produtoras americanas a aderirem ao sistema, surgindo então o Superscope, o Metroscope e a Warnerscope.

Se a sofisticação tecnológica mostra-se presente nas produções americanas, o cinema brasileiro distancia-se de um modelo industrial. “Rio 40º” do iniciante cineasta Nélson Pereira dos Santos, manifesta as primeiras características que estruturariam o momento do Cinema Novo, com temáticos populares e um sistema de produção alternativo e cooperativado. O filme enfrentaria diversos problemas com a censura sendo liberado para o circuito exibidor apenas em 1956, um ano depois de realizado.Por esse período os exibidores começam a sentir os primeiros efeitos da diminuição de público nas salas de cinema, principalmente as localizadas em bairros e no Centro. Já com evidentes sinais de decadência, a Empresa Cinemas de Santos encerra as atividades de dois espaços de exibição. Em dezembro de 1956, o Cine Astor e o Cine São Bento, o primeiro situado no bairro da Vila Nova e o segundo na região central da cidade. As duas salas tinham como características não serem espaços lançadores de filmes, sendo que o Cine São Bento, reinaugurado dois anos antes, já se dedicava exclusivamente a exibição de filmes destinados exclusivamente ao público masculino. “Veneno Branco” filme que encerrou as atividades desta sala, anunciava nos jornais tratar-se de uma “Sessão Exclusiva para homens” e “Rigorosamente proibido para menores de 18 anos”.

Ao mesmo tempo em que fecha dois de seus espaços de exibição, a Empresa Cinemas de Santos daria início as obras para a construção de um novo Cine Roxy. Finalizada as obras, o Cine Roxy é reinaugurado em outubro de 1957 com o filme “Ilha dos Trópicos”, dirigido por Robert Rossen e estrelado por James Mason e Joan Fontaine. Totalmente remodelado, o Cine Roxy passa a contar com 1500 confortáveis poltronas instaladas em declive para assegurar a total visibilidade da tela, diga-se de passagem, anunciada como umas das maiores do Brasil. O tratamento acústico da sala também mereceu atenção especial com revestimento de Eucatex e som estereofônico com 4 faixas magnéticas. O aparelho de projeção passa a ser equipado com lentes anamórficas possibilitando ao cinema programar filmes no formato scope.

O cinema era uma das opções prediletas de lazer do público santista e dos turistas que por aqui passavam. A cidade carecia de teatros dificultando a vinda de espetáculos em temporada na capital. Os cine-teatros existentes há muito dedicavam sua programação para as projeções cinematográficas, como pode ser observado no Coliseu, Guarany, D. Pedro II e São José. Há anos a sociedade santista se mobiliza para a construção de um teatro na cidade. Vejamos o anúncio da matéria publicada no dia 10 de janeiro de 1954, no jornal Diário: “Silêncio na Ribalta – Palcos transformam-se em telas. Imperiosa a construção do Municipal”.

Se um teatro municipal seria realidade apenas nos anos 70, a sociedade santista teria sua antiga reivindicação atendida graças a uma iniciativa dos irmãos Luiz, Manuel e Júlio Marcelino, que em janeiro de 1958, inaugurariam o Teatro Independência com a peça “A Compadecida” de Ariano Suassuna. Contudo, os elevados custos para manutenção do espaço físico e dos próprios espetáculos, meses depois transformariam o Independência em um novo cinema.Nossa Cinelândia passaria então a contar com mais uma sala a partir do dia 23 de agosto, com a projeção do filme “Adeus as Armas”, adaptação para as telas do livro homônimo do escritor Ernst Hemingway, dirigido por Charles Vidor, tendo Rock Hudson, Jennifer Jones e Vittorio de Sica no elenco. Tempos depois, o Cine Independência conseguiria com exclusividade os títulos da Fox Film consolidando o espaço como um dos principais lançadores de filmes da cidade.

O último grande investimento da década foi com a reforma interna e externa do já decadente Cine-Teatro Campo Grande. Na tentativa de revitalizar o espaço, a Empresa Cine-Theatral o reinaugura em outubro de 58, agora com o nome de Cine Ouro Verde. Para o novo cinema do bairro do Campo Grande, a Cine-Theatral programou para a abertura um Festival com 7 filmes inéditos em Santos. A sessão inaugural caberia ao filme “A Donzela de Ouro”, tendo como atrativos a atriz Joan Crawford e o ator Rossano Brazzi.

No final dos anos 50, Santos conta com uma população de aproximadamente 260.000 habitantes. O bairro do Gonzaga consagra-se definitivamente como o local predileto dos cinéfilos santistas. Estão em atividades os cines: Atlântico, Avenida, Bandeirantes, Cacique, Caiçara, Carlos Gomes, Coliseu, D. Pedro II, Gonzaga, Guarany, Independência, Iporanga, Marapé, Macuco, Ouro Verde, Paramount, Roxy. Muitas dessas salas, sobretudo as localizadas em bairros, não resistiriam à crise que começava a se configurar no mercado. É o fim do período áureo das salas de cinema em todo o Brasil.

Paulo Renato Alves
Capítulo do Livro História dos Cinemas em Santos
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