quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Crise no Mercado Exibidor: O Fechamento das Salas de Cinema

O mercado de exibição cinematográfica brasileira permanece ainda em expansão no início dos anos 60. Em Santos, se os cinemas de bairro e do Centro davam os primeiros sinais de decadência, a grande freqüência de público mantinha-se nos cinemas do Gonzaga, despertando o interesse de empresários situados em outras cidades. Consagrado como a cinelândia santista, acrescenta-se aos cinemas desse bairro o Praia Palace. A Empresa Paulista de Cinemas Ltda, responsável também por diversas salas em São Paulo e no interior, vislumbra na praça santista uma excelente oportunidade de negócio. Em maio de 1960, a Empresa anuncia maiores detalhes sobre a inauguração da sala e do filme. Para a abertura do novo cinema foi programado o filme “A Ponte do Rio Kwai”, do cineasta David Lean. A sala dispunha de 800 poltronas e um eficiente sistema de projeção que incluía a tela panorâmica e o cinemascope.

Poucos meses depois, seria a vez do Cine Indaiá ser instalado no Gonzaga, no único grande investimento feito por empresários locais em toda a década. Para o lançamento do novo cinema de sua rede, a Empresa Cinemas de Santos Ltda promove um Festival de Filmes, a partir do dia 14 de dezembro. Para a abertura do Festival foi programado o filme “Os Dez Mandamentos”, superprodução da 20 Th Century Fox, dirigido por Cecil B. de Mille e estrelado por Charlton Heston, Yul Brynner, Anne Baxter, Edward G. Robinson, Debra Page e Vincent Price. O Indaiá era mais um cinema construído nos moldes da década anterior, com um total de 1500 poltronas distribuídas entre a platéia inferior e os pullmans.

No ano seguinte, outra empresa cinematográfica insere-se no mercado exibidor santista. A Rede Paulista de Cinemas investe na cidade inaugurando o Cine Alvorada. Para a estréia da nova sala é programado o filme brasileiro “João Negrinho”, dirigido por Oswaldo Consoni. Localizado no bairro Vila Nova, esse cinema logo encerraria suas atividades, sendo reaberto em janeiro de 1962 com o nome de Cine Rádio Cultura, mantendo-se em atividade somente até o mês de julho desse mesmo ano.

Ainda assim, o mercado santista mostrava-se atrativo. Ampliando sua rede de salas, os empresários Lucídio Ceravolo e Lívio Bruni inauguram o Cine Itajubá, em julho de 1963, e dois anos depois com o Cine Glória, ambos situados na orla da praia. O Cine Itajubá, localizado no bairro do José Menino, possuía capacidade para 650 espectadores. O filme “Malhas Negras” do diretor Terence Young, marca o início das atividades nesta sala. Curiosamente, foi neste cinema que ocorreu, segundo os jornais da época, um atentado a bomba em suas dependências, durante a projeção de “Branca de Neve e os Sete Anões”, em 1967. Quanto ao Cine Glória, que juntamente com o Caiçara dividia as honras de exibidor do bairro do Boqueirão, teve sua sessão de estréia com a comédia “Deu a louca no mundo”, de Stanley Krammer, em maio de 1965.

Entre essas duas inaugurações, tivemos ainda a abertura do Cine Brasília, em julho de 1964, no bairro da Ponta da Praia. O proprietário do cinema, mencionado nos jornais da época apenas como Sr. Bonito, realiza seu primeiro e último investimento no ramo exibidor. “Reis do Sol”, exibido simultaneamente com o Cine Iporanga, é o primeiro filme projetado nesta sala. No entanto, a dificuldade em conseguir títulos cinematográficos rentáveis, fez com que esse empresário não demorasse a sair do ramo exibidor, sendo a sala incorporada ao circuito da Empresa Cinemas de Santos Ltda. Re-inaugurada em 1967 por essa empresa, a sala seria a única na cidade com equipamentos para projeção em 70mm. “A Bíblia” de John Huston foi o pioneiro na exibição desse formato.

Depois do Golpe Militar ocorrido em março de 64, a cidade passa por um período de intervenção, sendo nomeado para a Prefeitura o Capitão de Fragata Sr. Fernando Hortala Rinkel. O clima de apreensão aumenta com a chegada do navio presídio Raul Soares, em abril de 1964. Não tardaria para que muitos sindicalistas, estudantes e intelectuais fossem interrogados e presos nas dependências do navio que ficara ancorado no canal Estuário.

Ao mesmo tempo em que a cidade vive um momento difícil de sua história, algumas das tradicionais salas de cinema encerram suas atividades. Os primeiros sinais da crise no mercado santista manifestam-se através do fechamento de uma das mais antigas salas da cidade, o Cine Paramount, em novembro de 1964. Seria o preâmbulo do fim de diversos cinemas na cidade. Em 1966, os jornais anunciariam o fechamento de mais salas. Deixam de existir o Cine Cacique, o Cine Avenida, o Carlos Gomes e o Cine-Teatro D. Pedro II. Para justificar tais medidas, os empresários apontam uma série de fatores, sendo o principal deles o baixo percentual que fica com o exibidor, cerca de 2% da bilheteria auferida. O restante da renda seria absorvido pelas distribuidoras, impostos, direitos autorais, pagamento do complemento nacional e funcionários. As salas situadas na Cinelândia e na praia, detentoras de um maior movimento de público, conseguem-se manter-se, já as localizadas nos bairros e Centro, o prejuízo é inevitável.

No caso do Cine Carlos Gomes, uma comissão formada por moradores do bairro da Vila Mathias solicita a permanência das funções cinematográficas desse tradicional cinema. Para resolver o impasse, a Empresa Santista de Cinemas Ltda transfere o Cine Carlos Gomes da Avenida Ana Costa, 55, para as instalações do Cine Bandeirantes, situado também no bairro de Vila Mathias. Curiosamente, o Carlos Gomes volta ao seu espaço físico do período de sua inauguração na Rua Lucas Fortunato, 29 e o Cine Bandeirantes deixa de existir.

Também em 1966, na cidade do Rio de Janeiro, o empresário Lívio Bruni pede concordata e anuncia o fechamento de dezenas de salas de seu circuito, incluindo 20 situadas em São Paulo. Essa medida, no entanto, não atinge os cinemas de sua propriedade em Santos. Outro grande empresário do ramo, Luiz Severiano Ribeiro, dono de uma das maiores redes de cinema do Brasil, anuncia concordata. A situação dos exibidores em todo o Brasil torna-se cada vez mais delicada.

Para fazer frente à crise, o Sindicato dos Exibidores do Estado de São Paulo inicia um movimento de boicote a qualquer filme cujo valor exigido pela distribuidora ultrapasse 50% da renda líquida. Os proprietários das salas manifestavam-se ainda contrários a prática de negociação de filmes em lotes, já que poucos apresentavam qualidades artísticas e resultados satisfatórios de bilheteria, bem como protestavam contra as cláusulas contratuais que determinavam o tempo de permanência que um filme ficaria em exibição. O primeiro filme a ter uma taxa diferenciada foi “E o vento levou”, exibido durante várias semanas no Cine Roxy e que custou ao cinema o reembolso de 75% da bilheteria auferida. Na época, a distribuidora justificava esse percentual devido ao elevado custo de produção e o tempo do filme, cerca de 220 minutos. Tempos depois, seria o filme “Os Dez Mandamentos”, ser majorado em 70% por sua distribuidora, sob a alegação de se tratar de uma superprodução. Em seguida, manteve-se essa taxa para todo e qualquer filme considerado de boa qualidade artística e potencialmente rentável. Finalmente, ampliaram essa taxa para todos os filmes. Dentro desse contexto, alegavam os empresários, até filmes de grandes bilheterias como “Lawrence da Arábia” e “Deu a louca no mundo”, tornam-se deficitários para os proprietários de cinemas.

Coincide esse período com a popularização dos aparelhos de televisão e a conseqüente queda de público nas salas. Consequentemente, mais duas salas deixam de existir na cidade. O cine Atlântico é entregue para a construção de um prédio no local. Já decadente e não fazendo o papel de lançador de filmes, o primeiro cinema de luxo de Santos encerra suas funções cinematográficas. Depois, é a vez do Marapé tornar-se inviável economicamente e ceder seu espaço para a instalação de um supermercado. A última sala a encerrar suas atividades foi o cine Macuco, outubro de 1968.

O balanço no final da década de 60 apresenta o fechamento de 6 salas localizadas em bairros, 1 no Centro e 1 no Gonzaga. Dos bairros fecharam suas portas os cines Avenida (Campo Grande), Marapé (Marapé), D. Pedro II, Cacique e Macuco (Macuco), Alvorada / Rádio Cultura (Vila Nova), Paramount (Centro) e Atlântico (Gonzaga). Acrescenta-se a esses exibidores o Santos Futebol Clube que desde os anos 50 promovia com regularidade sessões de cinema em suas dependências.

Em contrapartida, a crise no mercado de exibição a produção cinematográfica brasileira conquista grande respeito da crítica internacional. Jovens e promissores cineastas iniciam ou consolidam suas carreiras. O movimento cineclubista espalha-se por todo o País, promovendo a exibição e o debate de filmes que pouco ou nenhum espaço encontravam no circuito comercial. Em nossa cidade, coube ao franco-santista Maurice Legeard capitanear as ações do histórico Clube de Cinema de Santos, criando várias gerações de cinéfilos ao longo dos anos.

Apesar da conturbada situação política, os anos 60 representou alguns pequenos avanços para o cinema brasileiro. Em 1966, por exemplo, foi criado o INC (Instituto Nacional de Cinema) com o objetivo de “formular e executar a política governamental relativa à produção, importação e exibição de filmes, ao desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira, ao seu fomento cultural e à sua promoção no exterior”. Três anos depois, surgiria a Embrafilme que tinha inicialmente a prerrogativa de fazer a “distribuição de filmes brasileiros no exterior, a promoção, a realização de mostras e apresentação em festivais visando a difusão da cinematografia nacional sob aspectos culturais, artísticos e científicos”.

Em que pese tais iniciativas serem também uma tentativa para acalmar os ânimos de nossos jovens cineastas, sem esquecer que considerável parcela deles tem suas histórias escritas nos diversos movimentos universitários da época, a criação do INC e posteriormente da Embrafilme, denotam a inclusão da produção cinematográfica na agenda política governamental. O recrudescimento político chega ao seu auge com a promulgação do AI 5, em dezembro de 1968. Os direitos humanos desrespeitados, os direitos políticos tolhidos.

A conseqüência em nossa cidade foi nefasta. A eleição feita um mês antes da instalação do AI 5 teve como vitorioso Esmeraldo Tarquínio, candidato do MDB, partido de oposição aos militares. Em março de 1969, o Governo Costa e Silva cassa o mandato de Esmeraldo Tarquínio. Diante desse quadro sombrio, o Vice-Prefeito Oswaldo Justo renuncia. Em abril, a cidade é transformada em área de segurança nacional, para em seguida ser governada por mais um interventor, o general Clóvis Bandeira Brasil. Os anos 60 findam levando consigo as aspirações democráticas da população santista.

Capítulo do livro História dos Cinemas em Santos
Postado em 12 de novembro de 2008

Paulo Renato Alves

Um comentário:

  1. BOA TARDE, SOU DE SANTOS E GOSTARIA MUITO DE SABER, ONDE POSSO ENCONTRAR ESSE LIVRO QUE É COMENTADO LOGO ACIMA. NÃO CONSIGO ACHA-LO EM LIVRARIAS:
    "História dos Cinemas em Santos".

    SOU MAQUETISTA EM SANTOS, E QUERO CONSTRUIR ALGUMAS MAQUETES DE FACHADAS DE ANTIGOS CINEMAS DE SANTOS.
    PODE ME AJUDAR AMIGO.

    MEU EMAIL É: pedrolandimaquetes@msn.com

    ABRAÇOS....

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